o entendimento da questão

Entendemos que o tema colocado pelo Concurso
Tektonica 2006 é a investigação sobre o valor em arquitetura. Mais especificamente, trata-se de indagar sobre o valor na condição da morada. Formular um discurso sobre essa questão nos leva a focar a cidade, pois nossa condição de morada subjuga-se à condição do urbano. Não habitamos a casa, mas sim a cidade.

O fato de sabermos que somos alguns bilhões de co-habitantes em um planeta exaurido, nos leva a deduzir que apenas as formas coletivas de morada permitirão equilibrar a difícil equação estabelecida entre produção e consumo, transformação da natureza e conservação dos recursos. Portanto, quando refletimos sobre a morada, imaginamos estruturas urbanas que objetivem o adensamento, em uma justa medida. Parece-nos que a cidade é cada vez mais uma alternativa consistente aos problemas emergentes a enfrentar nesse século.

O adensamento é a única maneira de viabilizar os investimentos em modais de transporte coletivo não poluentes. De racionalizar os serviços infra-estruturais que amparam o nosso cotidiano. E, sobretudo, de oferecer as oportunidades de emprego, lazer, sociabilidade etc, que afinal que são as demandas de todos.

Daí concluímos que difundir um valor universal é promover o acesso à cidade, o direito aos seus bens e serviços. A pequena unidade onde passamos nossos momentos de privacidade e intimismo é um dos elementos participantes do conjunto de relações que estabelecemos com a cidade.

Aportar valor ao recinto doméstico é agir, a partir da necessidade e do desejo por espaço, a favor da sua multiplicação, pela sua flexibilização e pela sua indeterminação. É construir um conjunto de atributos que recebam as variações programáticas e o imprevisto. Que permitam abrigar as formas idiossincráticas de uso do espaço.

a proposta

Projetamos uma unidade habitacional “tipo” pressupondo a sua inserção na cidade. Imaginamos essa unidade como um continente.

Piso, teto e paredes longitudinais delimitam o volume prismático de um casco de concreto, passível de associação em múltiplas formas de edificação coletiva. A resultante são os 250m3 (5x20x2,5m) sugeridos pelo edital.

Esse casco recebe a infra-estrutura necessária às demandas domésticas contemporâneas. As paredes são o suporte das instalações. Permitem conectar todos os equipamentos e ainda receber os volumes de armazenagem.

O piso técnico elevado oferece a passagem das
tubulações hidráulicas. O espaço entre piso e casco conforma shafts para a ventilação controlada de compartimentos, a serem eventualmente definidos, em especial o núcleo sanitário.

As extremidades são vazadas para estabelecer as relações interior / exterior: insolação, ventilação, fruição da paisagem.

O vazio é assim delimitado por um conjunto de pares de caixilhos pivotantes: dois externos para o fechamento do volume continente e dois internos de conformação dos ambientes. Um mecanismo basculante permite sua abertura até 180º.

Uma vez os caixilhos periféricos abertos, conforma-se uma condição de espaço avarandado, bastante utilizado nas latitudes tropicais. A duplicidade de aberturas opostas favorece a circulação do ar por diferença de pressão. Garante renovação e refrigeração dos ambientes, sem a dependência de sistemas mecanizados.

Os caixilhos internos permitem subdividir ou remembrar o espaço. Conformam os ambientes íntimos, como os quartos, se e quando desejável.

 

Imagina-se que a unidade hidráulica que compõe o sanitário seja um artefato industrial, de fácil transporte e instalação. Buckminster Fuller e Arthur Quarmby têm ensaios que nos servem de referência. Escolhido um modelo, sua implantação no vazio gerado pelo casco permite organizar o espaço interno por um conjunto variável de maneiras de ocupação.

Parece-nos que todas as formas de morada são temporárias. Não necessariamente pela prática usual de mudança de endereço. Pensamos na transformação dos modos de vida e na tessitura de “relações líquidas” que caracterizam a contemporaneidade. 

O transitório demanda um espaço adaptável, flexível. A noção de valor para a morada traz consigo a idéia de formalização de um raciocínio sistêmico que aporte à
arquitetura um atributo de suporte às ações. Um continente móvel que se realiza através da transformação do espaço em lugar costumado pela subjetividade de seus habitantes.